sábado, 10 de dezembro de 2011

Darcy Ribeiro E a Formação do Nosso Povo



"Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..."




"Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos de ser brasileiros, que permitem distinguí-los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiro, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros, etc  Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, oude miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população"
"A convicção a que eu chego é de que uma das coisas mais belas do mundo foi a aventura do Brasil se fazendo a si mesmo. Um povo que constitui um novo gênero humano. Não tem novidade nenhuma em fazer a Austrália: pega um bocado de ingleses e escoceses e joga no terreno vazio e eles matam os índios e ficam lá e fazem uma Inglaterra de segunda [risos]. Isto daqui é bobagem. Mas fazer um gênero humano novo, fundir herança genética e cultural, índia, negra e européia num gênero humano novo, numa coisa nova, que nunca houve. É isso a aventura brasileira e que eu resumo dizendo que o que nós somos, mesmo, é uma nova Roma"
"Por que o Brasil não dá certo, mesmo com tanta riqueza, com tanta arte? Porque nunca existiu para seu povo, sempre existiu para o comércio internacional"
"Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrina. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa, impondo padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações"
"é a minha convicção que ou nós comemos e dominamos o saber moderno ou nós vamos ser recolonizados"
"O desencontro é total. Nossa vanguarda lúcida, fiel a seu povo, não existe. O povo brasileiro está órfão. É um corpo sem cabeça. Nós, intelectuais, sem um povo com que nos identifiquemos, com horror do povo de verdade que aí está, somos uma cabeça decepada"
"a modernidade aqui não é a bobagem de se estar abrindo mais multinacionais. É preciso acabar com essa mania de modernidade falsa, boboca, de gente com a cabeça feita para multinacionais [...] Então, primeiro lugar, o pleno emprego. Em segundo lugar, a comida. Em terceiro lugar, a educação. Educação em tempo integral [...] A partir daí, isso é que é modernidade. Na medida em que se faça isso, que se força a economia a isso, a partir daí é que este país pode florescer como a civilização que nós podemos ser"
"No mundo inteiro, no mundo desenvolvido, a criança fica 8 horas e come uma refeição, porque fica 8 horas e tem que comer uma refeição na escola. A escola é o lugar onde ele estuda, onde ele come, onde ele toma banho, além das lições. Ele tem uma professora que faz com ele os exercícios. Não mandam exercícios para casa. Como é que você pode mandar exercícios para casa de um menino - e 80% são assim - que não tem uma mesa, não tem..."
"Eu conheci a Grécia na pobreza. Conheci Portugal na pobreza. Conheci a Espanha na pobreza. A Itália do sul, na pobreza. Nunca ninguém deixou de comer todo dia. Todo mundo enchia a barriga, porque a economia estava organizada primeiro para o povo comer e vender o excedente. Aqui não. Somos um proletariado externo. Não existe para nós, existe para os outros"
"A brutalidade, a incapacidade, a mediocridade da nossa classe dominante, que aqui o que faz é enricar, é ter vantagem para ela, é juntar, é gastar. O Brasil sempre foi um moinho direto da gente, moeu, liquidou seis milhões de índios que tinha aqui. Liquidou. Mais 12 milhões de negros africanos. Pra quê? Para adoçar a boca de europeu com açúcar. Para enriquecer com o ouro de Minas Gerais. Então, a classe dominante sempre se deu bem e continua se dando bem. Mas o povão está aí, com uma fome que é espantosa. Por que fome neste país? Por que criança sem escola neste país? Por que que nós só somos melhores, só somos melhores, excluindo São Paulo, do que Bangladesh, em educação? É pra morrer de vergonha."
"O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa, 'democracia racial', raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, porque se cristalizam num modo de viver que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua"
"O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido. Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos, mas sempre frios e perversos"
"A figura do Prestes me impressionou muito. Os comunistas me fizeram muito bem. Os comunistas me fizeram responsável pelo destino humano. Me interessa o que acontece aos homens na Indochina, no Paraná, no Peru. Me interessa. Isso de você assumir o destino humano é muito importante. Tanto que os jovens de hoje, eu pergunto: quem é que vai fazê-los responsáveis pelo destino humano?"
"Darcy acreditava no trabalho, não na caridade. Acreditava que dando isso ao povo, estaria dando-lhes dignidade e auto-suficiência" "Vou falar uma coisa para você hein, presta atenção que é importante: Precisamos inventar o Brasil que nós queremos, escuta o que tô falando"
  • Sobre o Livro "O Povo Brasileiro"
"É claro que eu tinha de fazer um livro sobre o Brasil que refletisse de certa forma isso. E vivi fazendo pesquisa, e vivi muito com negros, brasileiros, pioneiros de todo o lugar do Brasil. E li tudo que se falou do Brasil. Então estava preparado pra fazer esse livro. E gosto dele. Tenho orgulho do fundo do peito de ter dado ao Brasil esse livro. É o melhor que eu podia dar. Gosto muito disso"
"Durante trinta anos eu quis escrever esse livro. Tomei nota, estudei, porque a minha convicção, quando eu o comecei a fazer no exílio, eu queria saber por que que o Brasil não deu certo, quando eu estava no exílio. Por que perdemos? Por que, mais uma vez, a direita ganhou? Por que o Brasil não deu certo do ponto de vista do seu povo?
E vi que eu não podia fazer esse livro, porque faltava uma teoria sobre o Brasil. E levei 30 anos escrevendo uma teoria geral. Uma teoria geral do mundo, das Américas. São cinco livros, que têm noventa e seis edições em várias línguas. E esses livros... ter escrito os cinco e não escrever o final, para o qual eu me preparei, era uma loucura.
Então, quando eu via que estava morrendo, eu ia lá e aquele pessoal ia me matar naquela UTI [risos]. Eu fugi do hospital para viver e fugi para escrever esse livro. Então, eu escrevi esse livro nos 30 anos que eu me preparei e mais quarenta dias, depressa, com muitas secretárias para fazer ligeiro, antes de morrer"
"Escrever esse livro foi o desafio maior que me propûs. Ainda é. Há mais de trinta anos eu o escrevo e reescrevo, incansável [...] Nunca pûs tanto de mim, jamais me esforcei tanto como nesse empenho, sempre postergado [...] eu não queria largá-lo. Pedia mais de mim, me prometia revê-lo, refazê-lo, até que alcançasse a forma que devia ter"
"Não se iluda comigo, Leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um forte patriotismo. Não procure aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira influir sobre as pessoas, que aspira ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo"
  • Sobre o Câncer
"Darcy sabia que estava com câncer, e que o câncer tinha devorado pelo menos um de seus pulmões, mas estava alegre de alegria por estar na sua terra e sentir que ela estava tão sempre viva e dançadoura [...] O cirurgião tomou Darcy pelo braço e levou-o para caminhar pelo corredor: -Não quero desanimá-lo -, mas acho que o senhor deve preparar-se para o pior [...] Darcy não pôde conter o riso, e o médico não entendeu. No dia seguinte, foi operado. Darcy despertou com um pulmão a menos. Como tem tantos, nem percebeu." (Eduardo Galeano)
"No hospital só tinha gente querendo morrer, eu quero viver"
"O médico havia dito que Darcy não passaria daquela noite. Não só passou como teve melhoras. Quando vimos ele havia fugido para sua casa em Maricá. Ele queria terminar seu livro antes de morrer, mas nunca conseguira. Desta vez em 45 dias o concluiu. Darcy só perderia a luta contra o câncer dois anos depois. Nesse período, escreveu não apenas um, mas quatro livros"